Descobertas em Athos

Quando se pensa nas linhas e formas que compõem a cena brasiliense, o mais comum é que brotem referências aos nomes de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, donos das mentes geniais responsáveis por grande parte da estética arquitetônica que predomina na paisagem onde se sobressaem empreendimentos que misturam a curva e a reta. Em meio aos blocos de concreto, a assinatura do paisagista Roberto Burle Marx contribuiu para este ambiente ao perpetuar grandes corredores repletos de árvores e espécies do cerrado em imensos jardins urbanos. Nem sempre visível nos olhares mais distantes, os detalhes que compõem os prédios, templos religiosos e espaços culturais desenvolvidos por essa tríade de artistas, carregam a delicadeza apurada do pintor e mosaiista Athos Bulcão, nome que completa este quarteto fantástico. Nascido no Rio de Janeiro no século 20, Bulcão se iniciou na pintura de maneira majestosa, como assistente de Cândido Portinari – um dos mais importantes pintores da história da arte brasileira – na execução do Mural de São Francisco de Assis, na Igreja da Pampulha, em Minas Gerais. Mas foi em Brasília que o artista eternizou seu potencial criativo, na forma de murais, mosaicos e pinturas nos arredores da estrela do cerrado. Segundo o autor, “Artista eu era. Pioneiro eu fiz-me. Devo a Brasília esse sofrido privilégio. Realmente um privilégio: ser pioneiro. Dureza que gera espírito. Um prêmio moral”. Para compreender o legado do artista, basta colocar bons calçados e seguir por seus rastros deixados de asa à asa.
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Salão Verde (Foto_Edgard_Cesar)

Bulcão de Norte a Sul
Procurada por grande parte das pessoas que desembarcam em Brasília, a Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, projetada por Oscar Niemyer, em 1958, revela em seu entorno de 70 metros de diâmetro, 16 colunas de concretos semelhantes a uma coroa, enquanto que em seu interior a decoração do Batistério ficou a cargo de Bulcão que se utilizou de azulejos nas cores branca, verde e azul para criar um painel de 280 por 1380 centímetros em tons suaves. Ainda na esfera religiosa, na Igreja Nossa Senhora de Fátima – carinhosamente chamada de Igrejinha -, localizada nas entrequadras sul, sua marca ficou registrada nos azulejos azulados com desenhos de pombas ou anjos, que cobrem as paredes externas literalmente trazendo o céu para a terra. A pequena construção teve sua pedra fundamental lançada pela então primeira-dama, Sarah Kubitschek, em outubro de 1957, de forma que sua edificação consumiu apenas cem dias, com inauguração ocorrida em 1958. Desenhada por Niemeyer, a Igrejinha tem lugar na história nacional por representar o primeiro espaço religioso feito em alvenaria em Brasília, e anualmente chama a atenção de amantes da arquitetura, justamente por seu teto em formato triangular, apoiado em três colunas.
Na Praça do Cruzeiro, o ambiente cultural brasiliense começa a surgir no Memorial JK, um museu criado em uma área de 25 mil metros quadrados em homenagem a Juscelino Kubitschek, distribuído em Mausoléu, onde estão guardados os retos mortais do ex-presidente, Museu, com acervo onde estão reunidos documentos e fotos relativos a vida do político, além de uma Casa de Cultura nascida para acolher apresentações artísticas que potencializem a importância da cultura. Quando se passa em frente ao prédio, a princípio talvez nem se note suas proporções, já que os olhos ficam fixos na escultura de bronze de 4,5 metros de altura criada por Honório Peçanha, e colocada a 28 metros do chão. A inventividade de Bulcão se faz presente numa parede de mármore e granito da Câmara Mortuária, na qual um jogo entre as cores preta e branca revela uma obra de arte em grande formato, repleta de desenhos semi-arredondados. Para quem deseja apreciar algum espetáculo no Teatro Nacional Cláudio Santoro, vale chegar com alguns minutos de antecedência para apreciar a obra O sol faz a festa, que recobre as paredes externas do lugar, evidenciando o pensamento escultor do artista. Estruturada apenas em coloração branca, a composição inclui milhares de blocos de argamassa colocados no entorno da construção de forma piramidal rascunhada por Niemeyer e cercada por jardins de Burle Marx. No interior do teatro atente para as peças gigantescas de Alfredo Ceschiatti e Mariane Peretti.
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Senado Federal – Hall da Ala Teotônio Vilela(Foto_Edgard_Cesar)

Meu Deus, mas que cidade linda
Sem perder o fio cultural, na Asa Sul, surge o Cine Brasília que nos dias atuais acomoda o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que sustenta a relevância da capital do cerrado para o universo cinematográfico nacional. Além do evento que já está em sua 44ª edição, o espaço também se abre para lançamentos de filmes nacionais e para mostras internacionais, bem como, é usado para exposições de pinturas e fotografias. Outra criação de Niemeyer, o cinema em seus primórdios, na década de 60, projetou sucessos da época, como O Discípulo do Diabo, com Kirk Douglas e Burt Lancaster, e A Canoa Furou, com Jerry Lewis. Em 1976, Athos Bulcão desenvolveu uma peça em madeira e laminado polivinílico – feita em linhas arredondadas nas cores amarela e vermelha – logo depois inserida no auditório de mais de 600 lugares. No histórico Brasília Palace Hotel, o primeiro empreendimento hoteleiro da capital brasileira, os traços de Bulcão estão eternizados em afrescos e painéis azulejados que decoram o salão principal do hotel que já hospedou autoridades políticas mundiais. Aproveite a visita para apreciar no restaurante Oscar, um cardápio inspirado nos pratos que eram feitos no auge da era JK, na década de 60. Quase 20 anos depois, em 1979, o cantor e compositor, Renato Russo escreveria a canção Faroeste Caboclo, que em versos dizia ele: “Estou indo pra Brasília / Neste país lugar melhor não há (…)/E num ônibus entrou no Planalto Central / Ele ficou bestificado com a cidade / Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal / “Meu Deus, mas que cidade linda (…)”,- refletia sobre as linhas da cidade, na mesma época em que Athos Bulcão levaria para o Senado e para a Câmara algumas de suas grandes produções, acolhidas nos auditórios e hall desses lugares. Com a música na cabeça, na caminhada que se segue, impossível não entender a poesia desmedida enxergada por Russo nos arredores brasilienses delineados por Niemeyer, Costa, Marx e Bulcão.
Rastros de Athos Bulcão
Para completar seu roteiro pela cidade e descobrir outras contribuições deixadas por Athos Bulcão, vale incluir em sua lista uma passagem por locais interessantes como:

Centro Cultural Missionário
Onde: SGAN 905 – Conjunto C, Asa Norte

Palácio Congresso Nacional
Onde: Praça dos Três Poderes

Jardim da Infância
Onde: SQS 316

Museu Nacional das Gemas
Onde: Torre de Televisão, S/N

Palácio do Itamaraty
Onde: Esplanada dos Ministérios

Parque da Cidade
Onde: Asa Sul

Espaço Cultural de Arte Contemporânea
Onde: SCN Quadra 03

Quem foi Athos?
Athos Bulcão nasceu no Rio de Janeiro, em 1918, e desde pequeno estreitou relações com arte, ouvindo Caruso e assistindo espetáculos de ópera e teatro. Foi amigo dos notáveis Jorge Amado, Roberto Burle Marx, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Manuel Bandeira, entre outros. Aos 21 anos foi apresentado ao pintor Cândido Portinari com quem trabalhou como assistente. Suas pinturas e obras feitas em azulejos estão por diferentes Estados brasileiros como Rio Grande do Norte, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe, Espírito Santo, Piauí, Maranhão, São Paulo, além de Argentina, Índia, Nigéria, Itália, Cabo Verde.


Flávia Lelis, editora de conteúdo online e amante de viagens por natureza

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